terça-feira, 13 de dezembro de 2016



    Dissimulada. Deixou que ele entrasse, desatou as amarras. Abriu as pernas e as portas de sua vida. A imagem pueril foi desaparecendo. Fingiu não notar, tão bem quanto fingia gozar. Se contrai toda e se deita, fingindo exaustão, ainda que estivesse pronta para outra. E fingindo continua ali, enquanto vai deixando de estar. Os gemidos falsos abafam a distância das almas. A proximidade dos corpos já não lhe traz nenhuma sensação de paz ou conforto. Não há sentimentos. Tudo que lhe restou foi o resto. O resto do que já haviam sido. E do que se recusavam a ser. Insistiam naquele jogo, como se alguém fosse sair vitorioso.
    Pouco a pouco, o tesão abre espaço para que a mágoa entre. Sorrateira, ela faz do peito da moça sua nova morada. Os corpos se chocam violentamente. Brigam entre si, irritados pela lembrança do que já havia sido. Os antigos afagos, os beijos... A única coisa que restou foram os tapas. Daqueles dado de mão cheia, provocando um misto de gemido e dor. Não havia mais afeto. Ansiava por algum toque acompanhado de ternura. Embora o tesão ainda se fizesse presente. O desejo a consumia, abafado por toda aquela dor.
    E no meio daquele movimento de vai e vem, ela se foi. Agarrou-se nos trapos que restaram de si. Perdida, tentou se refazer. Quebrada, fingia estar nova. Renascendo das cinzas novamente, como uma fênix. Mas dessa vez renasceu gemendo, sendo invadida sem nenhuma ternura. E continuou ali, a espera de algo que nunca veio. Migalhas de afeição. Ao final, se aconchegava em seu peitoral, em uma tentativa frustrada de ignorar a distância. Insistente. Tentava derreter a frieza que o envolvia e falhava todas as vezes. Algumas pessoas eram mais intensas que outras. Discreta, deixou que os sentimentos transbordassem pelos olhos. Limpou os resquícios das lágrimas e voltou a mergulhar em toda aquela hipocrisia. Carpe noctem, ele lhe dizia. 
    Não havia vencedores. Era uma disputa desnecessária, sobre quem conseguia machucar mais o outro. Sentia um alívio ao enxergar a dor estampada na face do parceiro. Envolvia-se com alguém que a feria e gostava disso: pequena garotinha masoquistaA autoflagelação se tornou rotineira, uma espécie de passatempo. Os golpes desferidos em sua pele acobertavam as dores de seu peito. Castigando a casca para salvar o pouco que ainda havia ali dentro, se é que ainda havia alguma coisa.
    No final do dia, uma nova despedida era feita, embora soubesse que de nada adiantaria. Voltaria a hora que ele quisesse, como uma cachorrinha obediente. Dançaria conforme a música, se assim ele quisesse. Submissa a todo aquele desejo. Estava aprisionada, vivendo uma eterna relação de amor e ódio. E gostava disso. 

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