quarta-feira, 7 de dezembro de 2016





“The life upon her yellow hair but not within her eyes ─
The life still there, upon her hair  ─ the death upon her eyes...”


   Ele a fitou com um olhar vazio, ela sabia o que aquilo significava. “O que podemos fazer?” Indagou, a espera de uma resposta que não veio. Nem mesmo antes de sua morte fora capaz de confortá-la novamente com suas sábias palavras, mesmo que fossem breves como seu último suspiro. 
Nevermore! Ele se fora... E embora ela soubesse disso, ainda esperava. Culpando-o ─ injustamente, mas sempre o culpando ─ por ser e estar, mas há de ter uma chance de superar ─ embora "quase" nula. Também almejava perdão; Perdão por não aceitar. Perdão por não perdoar. “Para sempre”, ele lhe disse e a vida desdenhou disso. Nevermore! Esperou-o durante anos, até que finalmente se cansou. Cansou-se dos cachos. Cansou-se da dor. Cansou-se até mesmo do loiro que ele sempre adorou. Mudar, ela diz ser algo essencial. É abrir as portas para algo novo dentro de si. Hipócrita! Ela apenas espera que a mudança traga a cura para as mágoas que tanto lhe flagelam, como se isso fosse realmente possível.

[...]

   Ergueu a face, analisando detalhadamente a garota do espelho. Nevermore! Aquele poderia ser o último, ela dizia, na esperança de que ele viesse buscá-la. A palidez ficou ainda mais notável com o tempo, acentuando ainda mais as olheiras que tomaram conta do seu rosto ─ resultado das noites sem dormir. O olhar havia mudado: tornou-se mais vago, mais distante. Os fios loiros foram cortados e camuflados por uma tinta preta. Colocou o vestido que ele havia lhe dado, aquele mesmo de sempre – preto e rendado. As mãos pequeninas buscavam por algo em meio a toda aquela bagunça que havia em sua gaveta, até que finalmente encontrou. Cobriu os lábios com o batom vermelho cereja, o predileto dele. Almejando em seu intimo que ele viesse e lhe tomasse os lábios num beijo arrebatador, mesmo sabendo que jamais aconteceria.
   Cause this is the end, pretend that you want it and don't react. Era mais um aniversário de morte de Ragamuffin... E não importava o quanto fingisse para si, ela ainda se lembrava. Ela ainda o queria. [...] Os pés pequeninos e descalços golpeavam a escada de madeira lentamente, sem pressa para chegar no outro cômodo: o quarto dele. Pensou em voltar atrás diversas vezes, mas já estava na hora de enfrentar os fantasmas do passado. Estremeceu, incerta se deveria ou não entrar no local, mas já era tarde. Quando notou, já estava de frente para a cama, analisando o último lugar que ele havia estado. Tudo continuava exatamente igual ─ com exceção da poeira que cobria cada parte do local ─ e isso a agradou um pouco. Sentiu-se consolada em saber que nada havia mudado. Embora não devesse, gostava de alimentar as falsas esperanças. Notou um pequeno papel escondido sob a cabeceira, não tardando em pegá-lo e analisá-lo detalhadamente. Era uma carta... Não uma simples carta, uma carta para ela. Xingou-se mentalmente por não ter descido lá antes e por ter demorado tantos anos para ler o que ele queria lhe dizer.

“Minha doce Lenore... Se estiver lendo essa carta, é provável que eu já não esteja aqui. Perdoe-me por não cumprir minha promessa. E por não poder mais cuidar de você, minha pequena. Estou lhe escrevendo para compartilhar alguma das minhas memórias mais preciosas, na esperança de que elas um dia lhe sirvam de alguma forma. E principalmente: não lhe deixem esquecer quem você é. Se um dia tiver dúvida, saiba disso: Quando mais nova, você chegou até mim em prantos almejando ter um jardim repleto de rosas azuis. Seu sorriso era tão bonito que fui incapaz de lhe dizer o quão difícil seria. Comprei vários buques de rosas brancas no dia seguinte e as pintei de azul uma por uma... Seu pai achou que eu havia enlouquecido. E embora tenha sido extremamente trabalhoso, ver um sorriso no seu rosto me fez sentir realizado. Você não sabe o quão adorável você é, minha pequena... Você sempre quis as coisas mais inacreditáveis: Dançar na lua, descobrir como as estrelas eram presas no céu, mover montanhas, pular nas nuvens... E tudo mais que te encantasse. E eu juro, Leny, moveria o mundo por você se pudesse! Certo dia você me disse que queria ir morar no País das Maravilhas, minha doce Alice. E que eu seria teu maluco Chapeleiro. Quando eu lhe perguntei o porque, você apenas sorriu. E foi um dos motivos d’eu te amar tanto: Você nunca me respondia o porque... Apenas sorria. Nunca tentou explicar as coisas. Você simplesmente amava tudo e todos. Eu sei que é difícil... Mas eu acredito em você, então por favor, não deixe de acreditar também. Não se perca, ok?
Com amor, seu R.”

[...]

   Empalidecida, sentiu as pernas fraquejarem, deixando que seu corpo repousasse em um canto qualquer. Se apoiou na parede mais próxima, imóvel, enquanto as lágrimas emolduravam sua face. Hope dies slowly, falls from your eyes... Em meio a todo aquele silêncio, ecoava apenas uma respiração curta e alvoroçada, intercalada com o barulho da chuva vindo de encontro ao chão agressivamente. Falls from your eyes... Respirou fundo, recuperando o fôlego que havia perdido em meio aquele choro que parecia não se findar tão cedo. Apoiando-se na parede, levantou-se e fora em direção ao seu refúgio: seu quarto, um dos poucos lugares que ainda se sentia segura. I've seen enough and it's never enough... It keeps leaving me needing you. Embora se movesse, parte da alma havia ficado para trás. Chamando por ele. (Ryan... Rya... Ry... R...). Até que a última batida de seu coração fosse ouvida.

[Baseado em Lenore - The Cute Little Dead Girl.]

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